HUNG GAR

O Hung Gar (洪家), Hung Kuen (洪拳) ou Hung Gar Kuen (洪家拳) é uma arte marcial chinesa, desenvolvida no sul da China (durante o século XVII), bastante conhecida e demonstrada em filmes antigos chineses por décadas. Em Mandarim, o Hung Gar é pronunciado “Hong Jia”, “Hong Quan” ou “Hong Jia Quan”. Popularmente, pode-se dizer que essa arte marcial é conhecida de modo errôneo como o estilo “Garra de Tigre” – uma vez que as técnicas do tigre estão muito presentes em seus treinamentos, em suas Formas e exercícios. Porém o Hung Gar não trabalha exclusivamente o tigre, pois há trabalhos expressivos com outros animais nessa modalidade (como é o caso da garça, por exemplo). Não é incomum escutarmos que o Hung Gar também pode ser conhecido como o “estilo que contém técnicas do punho longo e técnicas do punho curto”. Nesse caso, o punho longo iria abranger técnicas da garça, ao passo que o punho curto iria abranger técnicas do tigre. Também é sabido que o Hung Gar compõe um dos cinco principais sistemas (ou famílias) de arte marcial sulista na China, as quais podemos citar: Lau Gar, Li Gar, Mok Gar, Choy Gar e Hung Gar.

O Hung Gar é conhecido por trabalhar com bastante ênfase o treinamento de suas posturas básicas – com a postura “Sei Ping Ma” (四平馬), por exemplo – desenvolvendo bastante a musculatura dos membros inferiores do praticante. Como resultado dessa prática, o praticante de Hung Gar obtém grande estabilidade e poderá executar com firmeza seus movimentos, durante a luta. Além disso, é bastante tradicional também o calejamento dos membros superiores dos praticantes de Hung Gar, através de um exercício tradicional de Shaolin denominado “Da San Sing” (打三星), cuja tradução pode ser “Bater Com Três Estrelas” ou “Bloqueio de Três Estrelas”. Após algum tempo de prática, os braços do praticante de Hung Gar (especialmente os seus antebraços) deverão ganhar bastante resistência e, estes poderão suportar pancadas consideravelmente, enquanto executa técnicas de ataques e defesas contra os seus adversários. Por ser um estilo de Kung Fu sulista, o praticante de Hung Gar tende a usar com mais frequência os seus braços, durante a luta e os chutes costumam ser baixos (não significa dizer que os lutadores desse estilo nunca poderão executar chutes altos). Também como uma das características específicas do Hung Gar temos as “Pontes de Mãos”, “Mãos de Ponte” ou “Kiu Sau” (橋手), cuja pronúncia em Mandarim é “Qiao Shou”.  O praticante de Hung Gar pode utilizar técnicas de mãos (principalmente com socos, dedos, palmas e mãos em formato de “garras”), além de usar os antebraços e as canelas para atacar e defender. Nessa arte marcial, as pernas precisam ser fortes e rápidas e se necessário, o praticante precisa saber executar corretamente técnicas de quebramento. Após muito tempo de dedicação aos treinos diários com a postura Sei Ping Ma, o praticante poderá desenvolvê-la, a ponto da mesma permanecer tão estável e firme que tradicionalmente a chamariam de “Cavalo de Mil Quilos”. Tem-se também o Mo Ying Gerk ou “Chute Que Não Sai da Sombra” – segundo os relatos de praticantes do passado, quando esse chute era bem executado, sua movimentação era praticamente impossível de ser vista, tornando-o bastante difícil de ser defendido. Tradicionalmente, o Hung Gar possui currículo composto Formas de mãos livres, formas com armas tradicionais (tais como bastão, lança, espada, espada dupla, sabre, etc) e Formas combinadas de mãos livres e armas. No entanto, é importante saber que existem nessa arte marcial quatro Formas essenciais de mãos livres, consideradas os “04 pilares do Hung Gar” e derivadas do padrão organizado pelo famoso Mestre Wong Fei Hung (que será mencionado ainda nesse texto, mas posteriormente), os quais podemos enumerar abaixo:

i) Gung Gee Fook Fu Kuen (工字伏虎拳): “Domando o Tigre” ou “Dominando o Tigre”

ii) Fu Hok Seung Ying Kuen (虎鶴双形拳): “Punho do Tigre e da Garça”

iii) Ng Ying Ng Haang Kuen (五形五行拳): “Punho dos Cinco Animais e Cinco Elementos”

iv)  Tid Sin Kuen (鐵綫拳): “Punho da Linha de Ferro”

A origem do estilo Hung Gar também é atribuída ao templo Shaolin do Sul (南少林寺), localizado na província de Fujian (福建) e, conforme as palavras dos Mestres e inúmeros praticantes, essa arte marcial fora desenvolvida por um praticante chamado Hung Hei Kung (ou Hung Hei Gung) – por isso essa arte marcial é conhecida como “punho ou boxe da família Hung”. Anteriormente conhecido pelo nome de família Jyu, Hei Kung buscou refúgio em Shaolin, após este ter tido desentendimento com membros pertencentes à Dinastia Qing – até então a monarquia vigente da sua época. Logo, com o propósito de evitar sua morte iminente nas mãos das autoridades da dinastia Qing, Hei Kung decidiu tornar-se monge e um possivelmente um revolucionário (considerando as especulações de historiadores chineses os quais acreditam que o Templo Shaolin em Fujian – por muito tempo – impôs resistência aos Machus e à sua política repressora). Segundo a tradição, Hung Hei Kung teria aprendido Kung Fu com um abade de Shaolin chamado Gee Sin e este mesmo abade era seguidor do Chan Budismo (ou Zen Budismo). Coincidentemente, o abade Gee Sin também possui sua contribuição mencionada no contexto histórico de algumas linhagens de outro sistema marcial famoso oriundo do sul da China, com suas origens marciais no Templo Shaolin: o Wing Chun.

Dizem que os conhecimentos marciais de Hei Kung, obtidos com os ensinamentos de Gee Sin teriam sido bastante influenciados pela aprendizagem com as técnicas do tigre – algumas fontes afirmam que Hei Kung praticou com Gee Sin o “Punho do Tigre Negro” (黑虎拳), cuja pronúncia em Mandarim é Hei Hu Quan), além de outros conhecimentos em Shaolin (Chin-Na, Chi Kung, Medicina Tradicional Chinesa, etc). Após a destruição do Templo Shaolin, sob ordens dos Manchus, dentre os sobreviventes estavam Hung Hei Kung e o próprio Gee Sin – ambos teriam escapado da investida anti-revolucionária dos Qing e estes não poderiam permanecer vivendo na região, onde ocorreu a destruição do referido Templo. Por esse motivo, se associaram aos espetáculos de ópera chinesa que percorriam o território chinês, através de antigos transportes fluviais conhecidos como “Juncos Vermelhos” (紅船) – cuja pronúncia em Mandarim é Hong Chuan. Nessas embarcações, Hung Hei Kung conseguiria praticar a sua arte marcial sem ter que sofrer represálias por parte do Governo (considerando que treinar artes marciais de Shaolin, nessa época, era crime passível de punição com pena de morte, decretada pelo Governo chinês). Portanto, trabalhar como ator nesses grupos de artistas das Óperas chinesas era solução apropriada para manter a discrição.

Durante esse período dos juncos vermelhos, Hung Hei Kung teve contato com outros artistas marciais, dentre eles a sua futura esposa cujo nome era Fong Wing Chun (filha ou sobrinha do lendário lutador Fong Sai Yuk – de fato, as fontes de informações são imprecisas quanto ao parentesco da garota). Fong Wing Chun era especialista nas técnicas da garça de Shaolin e Hei Kung aprendeu com sua esposa a teoria e prática dessas mesmas técnicas. Posteriormente, Hung Hei Kung estabeleceu moradia em Guandong (Cantão) e este passou a ensinar a sua arte marcial para os seus alunos. Nessa época, era essencial que todos soubessem que praticavam o “Punho da Família Hung” para não deixar dúvidas sobre a sua conexão com Shaolin. Dentre os alunos dos seus alunos, houve um praticante chamado Wong Kai Yin, cuja habilidade com o Hung Gar foi ultrapassada apenas pelo seu filho, Wong Fei Hung – considerado por muitos Mestres como o “Pai do Hung Gar Moderno”. A fama das habilidades de Fei Hung com o Hung Gar foi tamanha que ele, até hoje, é reconhecido na China como um lutador lendário e herói patriota do povo chinês. Wong Fei Hung teve um aluno chamado Lam Sai Wing o qual se dedicou intensivamente em seus treinos com o Hung Gar, tornando-se o seu principal sucessor na divulgação da sua arte marcial. Lam Sai Wing teve inúmeros alunos, porém dois deles se destacaram dos demais, tornando-se Grão-Mestres famosos: estes são Lam Jo e Chi Kao.

Lam Jo teve três filhos e eles são Lam Chun Fai, Lam Chun Sing e Lam Chun Chung. Todos são Mestres praticantes de Hung Gar e eles possuem a importante responsabilidade de transmitir atualmente o Hung Gar para as próximas gerações de praticantes chineses e não-chineses, ajudando a preservar o legado de Hung Hei Kung e demais ancestrais da linhagem tradicional. É importante mencionar também que recentemente o Brasil foi agraciado com representantes da família Lam que ensinam, de forma regular e diretamente, essa clássica arte marcial para professores brasileiros. E dentre esses professores, podemos citar o Sifu Richard Leutz da Associação Garra de Tigre de Kung Fu – AGTKF (Bauru-SP) o qual é aluno direto do Si-Gung Lam Chun Sing. Em Brasília-DF, o Instituto Han de Cultura Chinesa – IHCC tem sido a Escola de artes marciais chinesas pioneira no Distrito Federal a representar e ensinar o autêntico estilo Hung Gar da família Lam, sob supervisão direta da AGTKF, do Sifu Richard. Anualmente, o Sifu Marco Mourão deverá realizar eventos (treinos, workshops, exames de graduação) em parceria com a AGTKF para disseminar o Hung Gar na região Centro-Oeste brasileira, em especial na capital do nosso país. Portanto, qualquer interessado em obter mais esclarecimentos sobre o Hung Gar da família Lam ensinado no IHCC, poderá fazer isso escrevendo para o nosso e-mail ([email protected]) ou ligando para o número (61) 98256-5487.

O Mestre Lam Sai Wing é uma das importantes referências do Hung Gar (Hung Kuen) na linhagem tradicional do Grande Mestre Wong Fei Hung.